- ,Deus Ateu
,Videodança: Qual Pele Me Reveste?
Atualizado: Jan 4
Por Karen Eloise.
Revisão: Aline Machado

Foto: Divulgação.
Na década de 1940 surge o termo “videodança”, um processo artístico que mistura dança a recursos audiovisuais na captação de movimentos. A obra Um estudo coreográfico para as câmeras (1945), criação da artista Maya Deren (1917-1961), considerada uma das pioneiras nesta modalidade, explora o movimento, as relações de tempo e espaço, iluminação e edição de vídeo. No Brasil, a coreógrafa e videomaker Analivia Cordeiro (n.1954), em parceria com a TV Cultura, desenvolveu a obra “M3x3” (1973), período em que os aparelhos de videocassete ainda não eram comercializados no país. A obra trabalha os corpos e os movimentos dos bailarinos em espaços desenhados com formas regulares, explora os contrastes do preto e branco, repetição do som (de maquinário industrial) e também faz uma crítica ao início da era da digitalização na sociedade.

M3x3 (1973). Fonte: http://atraves.tv/as-videodancas-de-analivia-cordeiro/.
Atualmente existem diversos festivais que prestigiam a videodança em todo o país com apoio de universidades (como a UNICAMP) e a rede SESC São Paulo, que já viabilizou projetos como: Bienal Sesc de Dança, Dança em Foco - Festival Internacional de Vídeo & Dança e o Mirada (Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas).
Devido a pandemia do coronavírus, muitos festivais e projetos que estavam em andamento ficaram congelados. Muitos artistas, atores, coreógrafos e bailarinos precisaram se reinventar diante de um novo cenário onde os teatros foram todos fechados. Com o isolamento social, também cancelaram eventos, turnês, filmagens. Temos em vista que entre tantos ofícios, o setor artístico foi um dos mais impactados pelas medidas de seguranças adotadas pelo governo desde março de 2020.

Encontros na plataforma Zoom.
Em julho de 2020 foi realizada a oficina “Qual pele me reveste – conversas sobre videodança em tempos de isolamento social”, adaptada dentro desses novos moldes e conseguiu reunir 13 mulheres de diferentes regiões do Brasil em um processo inteiramente virtual. A partir do conto Pinkola Estés, “Pele de Foca, Pele da Alma”, que conta a história de uma mulher-foca que tem sua pele roubada por um homem que, para tê-la de volta, precisa casar-se e ter filhos. Com o passar dos anos, essa mulher vai perdendo seu brilho por estar sem essa pele e se depara com o dilema de voltar às suas origens nos mares, ou continuar na vida que um homem escolheu para ela.
Todo o processo foi realizado por meio da plataforma Zoom, com quatro encontros de 1h30, sempre aos sábados. O módulo introdutório permitiu que cada uma das participantes – selecionadas previamente por meio de uma carta de intenção – pudessem se apresentar e contar as experiências de vida (não necessariamente com a dança) que trouxeram até a este encontro. Percebeu-se que as participantes traziam histórias distintas, porém com o mesmo desejo de explorar o corpo e conduzi-lo a um experimento artístico. Hassegawa descreve a forma como ela vê a relação do digital como um novo processo relevante ao fazer dança contemporânea:
“O público agora pode apreciar as danças na palma da mão com muito mais frequência. É notável por exemplo a quantidade de Reels no Instagram superdançantes e a profusão do TikTok que alcança a margem dos 800 milhões de usuários no mundo ao longo do isolamento social, uma ferramenta de dança para o vídeo.”

Cenas de cada participante na videodança: "Qual Pele Me Reveste?".
No segundo encontro, Hassegawa apresentou o histórico da videodança e exemplos de processos artísticos que contribuíram para o crescimento desse segmento nos circuitos culturais a partir de experiências da própria e de algumas das participantes.
No terceiro encontro discutimos o texto da Pinkola Estés e as possibilidades criativas que poderíamos ter a cerca deste texto, e a forma como ele tocou individualmente cada uma das participantes. Muitas relataram que, em algum momento, se desconectaram de suas “peles”, que a pandemia havia trazido novas reflexões sobre a solidão, a relação com o uso do tempo, e até mesmo a morte pois, na atualidade, tivemos que nos deparar com essas questões tão pungentes.
Foram iniciados os processos de transformar todos estes anseios em arte, em dança, em conexão com o seu corpo (ou com do outro). O processo criativo era livre, porém era necessário criar uma unidade visual. Com a ajuda do diretor visual, Vinícius Cardoso, que apresentou possibilidades para explorar enquadramento de câmera, diferentes usos de iluminação, ângulos, efeitos, e principalmente, que fosse compartilhado por grupo de WhatsApp, os “cantos preferidos da casa”.

Processos criativos: estudos de iluminação, enquadramento e ângulo de câmera.
Ficou estabelecido também que seriam utilizados figurinos com cores quentes ou a ausência dele. A proposta era de que estes corpos vibrassem e, junto aos elementos cênicos do canto de cada casa, houvesse uma harmonia luminosa que transpirasse a essência dessas figuras femininas refletidos no vídeo. Hassegawa reitera ainda que:
“Diante desta estrutura cênica online havia/há outra reflexão principal às nossas frágeis humanidades, os corpos retidos em seus ninhos (ou não, para as que não podem), mas carregado de melindres e pensamentos à exaustão e valia neste caso um ponto de atenção: as mulheres.”
O processo também transpõe a preocupação da artista em relação ao papel da mulher na sociedade que atuam como maioria dos profissionais na área da saúde, e o crescente número de casos de violência doméstica, principalmente neste período de confinamento.
Todos estes questionamentos, medos e anseios, foram expressados por meio da linguagem da dança, que acompanhou intimamente 13 jornadas introspectivas, mas que, juntas, se potencializaram neste encontro inusitado e surpreendente. Que nunca nos dispamos das nossas peles de foca, que haja sempre o brilho nos olhos daqueles que fazem arte.
Referências Bibliográficas:
GOLDBERG, RoseLee. A Arte da Performance. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
M3x3. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EEGpBjT57lU>. Acesso em: 22/06/2019.
PINKOLA ESTÉS, Clarissa. Mulheres Que Correm Com Os Lobos. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1992.
PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
Agradecemos pela leitura do nosso ensaio.
,Sobre as artistas:
Vanessa Hassegawa é pesquisadora de dança da Amazônia paraense, curadora, artista do campo da videodança e relações públicas atuante. Em sua formação acadêmica é mestranda do programa de Pós-Graduação em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, especialista em Artes Cênicas pela Faculdade Paulista de Artes e bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade da Amazônia.
Instagram: @vanessa_hassegawa
Karen Eloise Shimoda, Mestranda em Design pela Universidade Anhembi Morumbi, pesquisa a relação entre a Dança Contemporânea e o Design Gráfico. Graduada em Comunicação Social pela mesma universidade (2006) e pós-graduada em Design Gráfico pelo Centro Universitário Senac (2010). Atriz, formada pelo Teatro Escola Macunaíma (2013).
Instagram: @keshimoda
Ficha Técnica:
Idealização e direção geral: Vanessa Hassegawa
Direção Audiovisual: Vinicius Cardoso
Edição e Finalização: Vinícius Cardoso
Trilha sonora original: Lucia Esteves
Co-direção e coreografias:
Barbara Ivo (Olinda-PE)
Carol Natal (Itaipava- RJ
Danieli Bertolami (São Paulo – SP)
Duna Dias (Belo Horizonte-MG)
Gabriela Leite (Florianópolis- SC)
Irupé Sarmiento (São Paulo – SP)
Karen Shimoda (São Paulo – SP)
Liduína Lins (São Paulo – SP)
Luci Savassa (São Paulo – SP)
Maura Muller (São Paulo – SP)
Marie Bueno (São José dos Campos -SP)
Paula Davis (Belo Horizonte -MG)
Patricia Pina Cruz (São Paulo -SP)
Coordenação: Vanessa Hassegawa.
Período de exibição: De 1 a 31/10 – Disponível para assistir em qualquer horário.
Plataforma de exibição: Youtube das Oficinas Culturais.
https://www.youtube.com/watch?v=YJCHe7dNLns&feature=youtu.be